sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

AS OLARIAS DE GARCIA DÁVILA E OS VELHOS BARREIROS DE MONTE SERRAT

“Os fatos históricos jamais falam por si, e sim, são sempre interpretados. Nem mesmo existem fatos consensualmente tidos como importantes: um historiador pode selecionar um evento para estudo que passe totalmente despercebido por outro, ou seja, não apenas a interpretação é pessoal, mas a própria escolha dos fatos”.

Essa é uma das teses do historiador inglês Edgar Hallet Carr que também foi jornalista e teórico de relações internacionais e um adversário ferrenho do empirismo na historiografia.

Isso vem a propósito de uma interpretação histórica de que  as primeiras casas e até prédios do governo da Salvador de Tomé de Souza, eram exclusivamente cobertas de palhas, desde que na época ainda não havia tijolos e telhas.

Não acreditamos como tal. Inicialmente argumentamos que muito antes de Tomé de Souza chegar à Bahia, essa terra já era habitada por brancos vindos da própria Portugal, como foi o caso de Francisco Pereira Coutinho aqui chegado em 1536, isto sem falar em Diogo Álvares Correia naufragado nas costas do Rio Vermelho entre 1509 e 1510.

Claro que desde aquela época, Salvador já contava com olarias que certamente fabricavam tijolos e telhas aos milhares, segundo a necessidade.

Consubstanciando o que agora se pretende provar, lembramos que a expedição de Tomé de Souza foi preparada com muito esmero. Não houve improvisações. Vejamos o que já se escreveu sobre esses preparativos:

"O inicio do povoamento do Brasil teve como modelo o dos arquipélagos atlânticos, com a divisão do vasto espaço de costa por pararelos, entregues à capitães donatário e com regimentos onde são referidas as anteriores doações insulares."
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"Com vista à criação de um novo modelo de desenvolvimento do Brasil, já por 1529 e 1530, D. João III teria pedido pareceres vários aos seus conselheiros, inclusive ao doutor Diogo de Gouveia, então em Paris onde dirigia o Colégio Santa Bárbara, no seio de cujos alunos veio a surgir a Companhia de Jesus"

Pessoas outras se ofereceram para realizar a empreitada. Foi o caso de Cristóvão Jacques, prontificando-se a seguir com mil colonos para o Brasil e também João de Melo da Câmara, com dois mil açorianos. Tudo gente bem preparada e com larga experiência em outras plagas.

"João de Melo Câmara, filho do segundo capitão da Ilha de São Miguel resumia de uma forma direta o protagonismo insular no povoamento Era a colonização do espaço atlântico em carta datável de 1529. Segundo ele, a família Câmara era portadora de uma longa e vasta experiência nesta área, "porque a ilha de Madeira, meu bisavô a povoou (João Gonçalves Zarco), e meu avô a de São Miguel (nos Açores); Rui Gonçalves. meu tio, a de São Tomé com muito trabalho e todas do feito que vê...
Toda essa experiência acumulada dava-lhe o alento necessário e abria-lhe perspetivas para uma futura iniciativa no Brasil. O neto de João Gonçalves Zarco reclamava o protagonismo do avô, primeiro capitão donatário de Funchal, no povoamento da Ilha de Madeira e do pai, Rui Gonçalves da Câmara, que em 1474 comprara a ilha de São Miguel, dando inicio ao seu verdadeiro povoamento"

Mas D. João III preferiu entre tantas ofertas contar com a competência de Luiz Dias, grande mestre de obras com experiência em diversas obras do reino em lugares além das Índias.

Não seria um homem desse quilate profissional que iria esquecer de trazer mestres de obras de todas as categorias, inclusive de olarias e similares. Talvez tenha até pensado em trazer de Portugal tijolos e telhas, mas isto requereria mais duas ou três naus, o que se tornava bem mais caro do que a simples construção de uma olaria logo nos primeiros dias após a chegada.

Mas essa última ideia  é um absurdo! Não é não! Quando se construiu a Igreja da Conceição da Praia vieram de Portugal as pedras de sua fachada. Uma se perdeu! Mandaram outra. 


Funchal antigo
Sé de Funchal

Claro que não se descarta a possibilidade da construção de algumas casas de taipa que nem a dos índios da Graça. Contudo, os prédios onde iria funcionar o governo, sem dúvida que mereceram um tratamento diferenciado, se é que tijolos e telas sejam assim considerados.

Até que foi! Bem no principio da construção da cidade, Garcia D'Ávila, tido como filho de Tomé de Souza, foi despachado para os lados de Itapagipe com vacas para seu sustento mas com a finalidade precípua de construir olarias. Es\se material era buscado nas imediações de Monte Serrat pelas próprias naus e outros barcos já existentes na VilaVelha de Pereira Courinho. Nesse sentido fizemos uma postagem onde mostramos como era feito o transporte.


As embarcações saiam da Enseada da Preguiça onde estava ancoradas e iam buscar  material na península, mais propriamente na Praia da Boa Viagem. Existe uma abertura entre dois blocos de recifes que permitia a passagem. 

Nota: Esta citação é feita por Gabriel Soares de Souza em seu Tratado Descritivo do Brasil. 



Que material? A madeira carbonizada do Porto da Lenha? Ainda não era tempo do famoso porto. Já existiam as carvoarias  na Vila Velha da Barra, bem mais perto. Desconfia-se então que iriam buscar tijolos e telhas das olarias já existentes no local, inclusive algumas anteriores às do próprio Garcia D'Avila, possivelmente gente de Pereira Coutinho, estabelecido aqui cerca de 15 anos atrás. 

E porque Monte Serrat, Boa Viagem, essa redondeza? Ariscamos em afirmar que o morro de Monte Serrat, atual Rua Rio São Francisco, existem  duas falhas provocadas pela extração de barro no local.  São conhecidos como "BARREIROS" - VELHO E NOVO BARREIROS
Sabe-se que muito barro foi tirado no local para a construção do cais da Avenida Beira Mar, mas não o suficiente para causar duas enormes fendas no referido morro. Só mesmo o o uso constante e interminável de olarias poderia causar a profundidade e extensão dos mesmos. 




Barreiros 1 e 2 - As construções são dos tempos atuais (1940/50)


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